sexta-feira, 16 de março de 2012

"Em ano de Rio+20, o verde lava mais branco" por Leonardo Sakamoto

Liguei para uma empresa a fim de perguntar quais as razões dela não ter uma política para prevenir, em sua cadeia produtiva, os impactos ambientais causados por sua demanda por matéria-prima. Não vou dizer o nome da companhia, poderia ser qualquer uma. Aliás, pode ser qualquer uma. Mas, tal qual I-Juca Pirama, esta é brava, é forte, é filha das selvas, nas selvas cresceu.


- Claro que temos uma política! No ano passado, construímos X creches, Y escolas e Z centros técnicos para o design de camisetas para a promoção da vida de ursos pandas que comem bambu, pois apesar de não serem brasileiros natos, estão em risco de extinção e, por isso, merecem toda a nossa atenção, como você pode ver por esse belo vídeo institucional feito por um famoso cineasta e que está em nosso canal no You Tube. Ou coisa do gênero.


Quando comentei que a pessoa estava enumerando casos de investimento social privado (para não dizer de greenwashing – porque, como todos sabemos, o verde lava mais branco) e não de políticas de responsabilidade social, houve algo como um “hein?” do outro lado da linha. Sabe? Investir em projetos e programas é importante, mas analisar, prever e evitar ou mitigar os impactos causados pela própria existência de um empreendimento é muito mais importante. Forneci alguns exemplos, como fugir de cadeias produtivas danosas, instaurar processos que respeitem as terras de populações tradicionais, controlar o uso desvairado de agrotóxicos e dar transparência ao mercado sobre os relacionamentos institucionais. Então, o céu se abriu e aconteceu um daqueles momentos de sinceridade extrema, daqueles de ano bissexto:


- Ah, mas se as coisas fossem do jeito que você está sugerindo, a empresa perderia competitividade.


Dei-me por satisfeito com a resposta, oferecendo com um longo silêncio (pois sou um boca mole) minha sincera anuência à avaliação.


Essa foi bem melhor que a afirmação de outra empresa, nesta feliz segunda-feira, de que não adotava políticas duras em sua cadeia produtiva porque isso geraria desemprego. E, por isso, preferia um trabalho lento (e, pela minha constatação, inexistente) para tentar melhorar a qualidade dos fornecedores.


De certa forma, o combate ao tráfico de drogas também gera desemprego. Com o agravante que o tráfico não demite quando tem pequenas quedas de lucro, como a empresa em questão.


E a opção de se responsabilizar, de verdade, e não apenas com projetinhos-migalhas, pelos processos que você desencadeia com sua demanda por matéria-prima? E ajudar a gerar empregos decentes em atividades lícitas para inserir o pessoal que trabalhava em processos duvidosos em sua cadeia de valor?


Se o sujeito usa de concorrência desleal e faz dumping social e ambiental, ele tem que responder por isso. Não apenas pelo impacto, mas por levar setores inteiros de nossa economia a responderem pela má-fé de alguns no comércio exterior. O engraçado é o corporativismo burro salvar esse pessoal da danação. Ei, otários, eles estão passando a perna em vocês que trabalham duro para seguir a lei!


Tempos atrás, em um debate envolvendo parlamentares, defendi ações mais firmes para garantir que as mercadorias brasileiras vendidas para o exterior não fossem produzidas com danos ambientais ou maus tratos aos trabalhadores, levando o causador do problema à bancarrota se necessário fosse. Fui chamado de “comunista”. Rá!


Na verdade, isso é capitalismo na veia. Garantir informação correta para que investidores e compradores possam tomar uma decisão embasada na hora de comprar, considerando custos e riscos. Sem isso, a economia sofre – para deleite de alguns. Alguns chamam de comunismo. Eu chamo de gerenciamento de riscos. E se não fosse assim, não haveria tanta empresa trazendo essa questão de cadeias produtivas e de responsabilidade empresarial para o seu core business. E entrando em contato com uma organização, como a Repórter Brasil, da qual participo, não para perguntar o que fazer, mas buscar informação para embasar suas ações.


Estas sabem que verificar onde estão os buracos pelo caminho é a saída mais fácil para evitar acidentes e ir mais rápido.


É economia, não é caridade. Ninguém faz isso pelo pobre do escravo, o coitado do índio ou o maltratado peixe-bagre-caolho-de-moicano-púrpura-do-alto-rio-Madeira. Fazem porque sabem que é a diferença entre ganhar e perder dinheiro, seja pela ação de agentes públicos que resolvem seguir a lei, sejam pelos interesseiros bloqueios comerciais da Europa e Estados Unidos. E é bom que seja assim. A missão de uma empresa é ganhar dinheiro, e da parte da sociedade civil é garantir que isso não aconteça se passar ao largo da dignidade humana.


Nesse jogo, todos sabem seu papel. Mas há empresas que fazem de conta que não é com elas. Não vou dizer que elas não se darão bem no final e que tudo o que estou falando vá por água abaixo. Por hoje, contudo, dou um conselho aos colegas que fazem a assessoria de algumas empresas que, vira e mexe, são envolvidas em problemas: continuem sendo sinceros. Isto ajuda.


Publicado originalmente no Blog do Sakamoto em 05.03.2012.
* Leonardo Sakamoto é jornalista, doutor em Ciência Política, professor da PUC-SP e coordenador da ONG Repórter Brasil.

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